Natal e Tolerância
A grandeza do Natal começa na compreensão da dimensão da distinção entre Deus e a humanidade. Foi Kierkegaard que cunhou a expressão “infinita diferença qualitativa” para explicar a relação entre Deus e o homem. Karl Barth se apropriou do conceito e afirmou que Deus é o “Totalmente Outro”, existindo em total alteridade em relação à humanidade. Para Barth, Deus e os homens são como duas esferas separadas, dois mundos completamente diferentes e não há esforço humano capaz de alcançar a divindade em sua transcendência absoluta.
O conceito pode parecer absurdo, considerando a visão tão imanente de Deus na religiosidade brasileira. Um Deus que faz milagres todos os domingos em tantas igrejas e diariamente se apresenta na televisão não pode ser um Deus distante. Mas não é essa a questão que Barth aborda. O que ele fazia em sua teologia era libertar o conceito de Deus de qualquer ideologia humana ou de qualquer representação idolátrica fruto dos interesses das sociedades. Deus existe em total independência do homem, não podendo ser definido por mera linguagem humana, nem conhecido por investigação empírica ou dedução racional. O único conhecimento possível de Deus se faz na revelação que Ele mesmo dá de si. Deus não pode ser descoberto por nós, é ele que se desvela e comunica de si mesmo aos homens.
E essa comunicação encontra sua forma máxima em Jesus Cristo. “Ele é a imagem do Deus invisível” escreveu Paulo aos Colossenses. Sim, Cristo é Emanuel, “Deus conosco”. E nesse sentido o Natal é uma celebração maravilhosa. É a festa que comemora o fim da separação. Na encarnação do Messias, Deus abandonou a alteridade e veio viver no meio de nós. Cristo é Deus que alcança o homem.
Da mesma forma, só Jesus tem a obra suficiente para vencer a separação. Sua total obediência ao Pai e sua morte substitutiva cumprem os requisitos para que a humanidade viva em comunhão com Deus. Jesus é o Homem que alcança Deus.
Cristo é o único ponto de contato entre as esferas divina e humana, pertencendo às duas plenamente. Não há mais uma “infinita diferença qualitativa”, há uma completa identificação de Cristo com Deus e com os homens. Jesus é “Verdadeiro Deus, Verdadeiro Homem”, como afirma a ortodoxia cristã.
Portanto, nessa ceia de Natal, quando você achar que não vai mais suportar seu tio bolsonarista ou sua sobrinha “Lula livre”, lembre-se de que o Deus-filho veio viver em meio ao nosso fedor pecaminoso. O Natal celebra o vencimento da maior alteridade possível e a reconciliação da inimizade mais radical que já existiu. A encarnação nos ensina a considerar o outro superior a nós mesmos, porque aquele que é maior e mais santo que todos veio como um servo (Fp. 2.3–11). Não se pode compreender verdadeiramente o espírito natalino sem partilhar desse mesmo sentimento que teve o Senhor Jesus. Meu desejo é que você proveite esse Natal para criar laços e não para acirrar diferenças.
Feliz Natal!