O Amor Que Se Vê
Pensei muito se devia dizer algo a respeito do caso do tio estuprador que abusou da sobrinha por quatro anos, abuso que resultou na gravidez da vítima aos dez anos. Estava decidido a não me pronunciar, porque não via forma de dizer algo que não acendesse ira nas outras pessoas. A Bíblia diz que “a ira dos homens não produz a justiça de Deus” e eu não ajudaria em nada colocando mais pimenta no molho. Mas agora, depois de um tempo de reflexão, lembrei de algo que me ajudou a pensar o tema.
A questão é o Amor. “Não, a questão é a justiça” alguém diria e eu concordaria. Martin Luther King disse que “Justiça é a forma como o Amor se demonstra em público”. Então, se falo numa perspectiva cristã, falo daquele amor que “não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade” (1 Co. 13.6). O amor é o centro da ética cristã. Nasce no Deus que é amor e se espalha pelos homens que amam porque Ele amou primeiro. Tudo o que um cristão faz, deve ser feito por amor. Um movimento pró-vida cristão deve ser um movimento de amor. Deve agir pela vida do não-nascido porque o ama.
Os que estavam manifestando na frente do hospital contra o aborto da criança não estavam agindo por amor. E se não agiram por amor, não agiram em nome de Cristo. Como eu sei disso? Por um princípio Bíblico muito simples presente na primeira epístola de João: Não se ama o invisível sem amar o visível. João aplica esse princípio ao próprio Deus: “Se alguém afirmar: ‘Eu amo a Deus’, mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê.” (1 Jo 4:20). Lembremos que a interpretação judaica da lei do amor dividia em dois mandamentos: o maior era amar a Deus acima de todas as coisa, o segundo, semelhante ao primeiro, era amar ao próximo como a si mesmo. Nesse trecho, João une os dois mandamentos num só: Não se pode amar a Deus sem amar ao próximo. Não se cumpre o primeiro mandamento sem cumprir o segundo.
Esse princípio evita que amemos de forma abstrata. Jesus condenou os filhos que doavam todo seu dinheiro para o templo, numa demonstração de amor a Deus, mas deixavam seus pais idosos passando necessidades. Isso é o amor abstrato. É negar ajuda ao vizinho necessitado e mandar dinheiro para salvar os pandas na China. Pandas são importantes, mas são fáceis de amar porque você não precisa fazer muita coisa. Difícil é cuidar de alguém perto, de alguém que se vê. É fácil amar a Deus se isso significa fazer ritos religiosos e dar dinheiro no templo. Difícil é amar o próximo, o necessitado e o inimigo. O que João nos diz é que não existe amor ao que é invisível, porque o amor verdadeiro é composto “de ações e de verdade” (1 João 3.18).
É muito fácil amar um não-nascido. Exige-se uma hashtag e talvez uma corrente humana na frente de um hospital. Dura pouco tempo e o desfecho pouco importa. Difícil é amar a mãe. Porque amar a mãe envolve ouvi-la. O não nascido não tem voz, mas a mãe tem. Amar a mãe envolve abraça-la. O não-nascido não recebe abraços, a não ser dos que abraçam a mãe. Quem xinga a mãe xinga o filho, pois quem odeia o visível não ama o invisível e quem odeia o irmão não ama a Deus. Amar o feto enquanto ataca-se a mãe é enganar-se.
Mas também deve-se amar o feto enquanto é invisível e, principalmente, quando torna-se visível. Quem diz que ama o feto sem amar as crianças é mentiroso, porque como pode amar o feto a quem não vê e odiar as crianças a quem vê? E nesse caso, a mãe é a criança. Por isso a incoerência de quem quer salvar o feto da morte, mas expõe a criança-mãe a mais sofrimento. Essa criança-mãe já foi feto e se foi amada pelo cristão enquanto era feto, porque não é agora que é criança, tem nome e pode ser abraçada? Quem odeia a mãe odeia o feto duas vezes.
É claro que ninguém diz que odeia a menina. Ela é uma vítima. Mas não há meio termo na epístola: ou você ama, ou você odeia. E se não há atitudes de amor para com a mãe, o que sobra é um ódio visível. Quem divulga o nome de uma vítima de estupro, o hospital em que está internada e movimenta uma manifestação para causar-lhe constrangimento não ama.
Num mundo menos ruim, mãe e filha estariam vivas e bem. Num mundo perfeito, não haveria estupro. Mas no mundo real, deve-se amar o não-nascido de forma que a mãe seja ainda mais amada. Se os cristãos desconfiam que a classe médica despreza o feto em favor da mãe, a resposta adequada não é preterir a mãe. Ser cristão é mostrar que ama o feto amando incondicionalmente a mãe. Como isso é possível? Essa é a pergunta que devemos nos esforçar para responder.